Autores: Kealey J. Wohlgemuth et al. (2021)
Revista + ano: Journal of The International Society of Sports Nutrition
Mais do que nunca há uma alta prevalência de participação feminina em atividades físicas e esportes, além de uma consciência crescente do impacto potencial do ciclo menstrual, principalmente, em relação aos hormônios estrogênio e progesterona no desempenho do exercício e na demanda metabólica. Por isso é importante entender as diferenças fisiológicas e atender às necessidades nutricionais específicas das mulheres.
Até o atual momento existem poucos recursos que fornecem uma justificativa fisiológica para necessidades nutricionais e dietéticas específicas entres os sexos, com diretrizes voltadas para o público feminino. Esta revisão tem como objetivo fornecer uma visão geral prática, baseada em evidências, para nutrição e suplementos dietéticos em mulheres eumenorreicas saudáveis e praticantes de esportes.
Diferenças fisiológicas entre homens e mulheres
Existem diferenças entre homens e mulheres importantes, desde a utilização do substrato, termorregulação, fatigabilidade, dor e recuperação muscular até a composição corporal. As mulheres normalmente experimentam, com os ciclos menstruais, flutuações previsíveis dos hormônios ovarianos até que se inicie a transição da menopausa. Um ciclo menstrual regular dura em média 28 dias (variando de 21 a 45 dias) e consiste em duas fases principais: a fase folicular e a fase lútea.
É importante considerar os efeitos do ciclo menstrual no metabolismo e no desempenho à medida que as mulheres se exercitam e competem em todas as fases de seu ciclo, de forma a poder otimizar as estratégias nutricionais com base nessas influências. Evidências substanciais sugerem que o estrogênio é um regulador mestre da composição corporal e bioenergética, de modo que a flutuação do estradiol em todo o ciclo menstrual pode ter implicações importantes para a capacidade de exercício e a nutrição.
Em repouso, as mulheres apresentam aumento da oxidação de gordura e 2,5 a 11,5% maior gasto de energia em repouso (GER), durante a fase lútea, que é quando os hormônios ovarianos atingem o pico. Ainda, medindo os aminoácidos circulantes na corrente sanguínea e na urina, observa-se uma maior oxidação de proteínas em mulheres no estado de repouso, durante a fase lútea. Esses achados indicam que ocorre aumento do metabolismo de gordura e proteína durante a fase lútea, que é acompanhado por um maior gasto calórico e possivelmente mais apetite.
Exercício aeróbico
As evidências sugerem que o estradiol aumentado na fase lútea poupa o glicogênio muscular, promovendo oxidação de ácidos graxos livres (AGL), o que teria implicações para um melhor desempenho de endurance.
Durante o exercício submáximo de mesma intensidade, as mulheres geralmente metabolizam mais gordura do que os homens, que é indicado por uma taxa de troca respiratória inferior. Embora não seja viável modificar as datas de competição em torno do ciclo menstrual, com base nesses dados, pode ser benéfico aumentar o consumo de carboidratos para suportar os níveis mais elevados de glicogênio na fase lútea. Os hormônios ovarianos geralmente são considerados ineficazes na alteração de exercícios de curta duração ou esforço máximo, no entanto um estudo descobriu que o VO2máx foi 2% menor na fase lútea média. Os efeitos dos anticoncepcionais orais no desempenho não são claros; entretanto um estudo demonstrou que o VO2máx foi reduzido em 11% em mulheres que consumiram anticoncepcionais orais por 4 meses.
Exercício de resistência
Até o momento, a literatura sugere que o período do ciclo menstrual não influencia diretamente no desempenho do exercício de força ou potência. O ciclo menstrual provavelmente afeta o desempenho de endurance, mas não o desempenho de resistência, alterando a utilização do substrato, que pode ser ainda mais impactado pela proporção da magnitude do aumento de estrogênio e de progesterona na fase lútea.
Outros pontos importantes: fadiga, termorregulação e composição corporal
Fadiga: as mulheres fadigam menos durante contrações isométricas de um único membro. As mulheres proporcionalmente têm maior área de fibras musculares do tipo I em vários grupos musculares, que é um mecanismo proposto para apoiar a redução da fadiga durante as contrações isométricas. Isso acontece principalmente quando a carga é baixa e as contrações são lentas. Ainda, é importante ressaltar que as flutuações hormonais podem alterar as taxas de recuperação em mulheres, principalmente durante a fase folicular, quando estas estão reduzidas.
Termorregulação: problemas relacionados à termorregulação provavelmente afetam mais as mulheres do que os homens, porque a fase lútea do ciclo menstrual está associada com elevação da temperatura corporal central, maior tensão cardiovascular durante o exercício em estado estacionário submáximo, e um limiar aumentado para o início da sudorese. Pode ser importante aumentar a ingestão de líquidos durante a fase lútea, bem como avaliar as taxas de suor durante as várias fases do ciclo para identificar os requisitos de fluidos e alterações.
Composição corporal: homens e mulheres também podem responder de forma diferente ao treinamento e às intervenções na dieta em relação à massa e à composição corporal. Os estudos demonstram que em estratégias de intervenção nutricional e treino, visando emagrecimento, os homens perderam massa gorda (MG) e massa magra (MM) FM e LM em quantidades semelhantes, enquanto as mulheres perderam principalmente MG.
Visão geral dos tipos de controle de natalidade com hormônios
Devido à grande quantidade de mulheres que usam anticoncepcionais (ACO) é importante compreender os diferentes tipos disponíveis e a influência que eles podem ter sobre o corpo, especificamente, sobre o metabolismo e desempenho. Os ACO orais podem ter uma influência negativa nos marcadores inflamatórios, conforme evidenciado em atletas femininas de nível olímpico de elite que utilizam ACO, com maiores concentrações de proteína C reativa (PCR), quando comparadas com mulheres eumenorreicas, potencialmente sugerindo aumento dano muscular ou recuperação inadequada; em outro estudo realizado com mulheres altamente ativas, também apresentaram maiores níveis de PCR do que aquelas não usuárias de ACO. O ACO trifásico mostrou levar à diminuição da capacidade aeróbia em comparação a nenhum uso de ACO.
Consideração de ingestão calórica
A disponibilidade energética é a energia alimentar restante no corpo após o gasto de energia na atividade física, sendo o restante disponível para ser utilizada nos processos metabólicos do corpo. Falha em manter habitualmente adequada a ingestão calórica necessária para o metabolismo pode resultar em consequências para a saúde e para o desempenho, sendo algo particularmente prevalente entre as mulheres, o que pode ser exacerbado com aumento da intensidade e duração do exercício. A obtenção de disponibilidade energética ideal (40-45 kcal / kg FFM / dia), eumenorreia e saúde óssea são essenciais para sustentar o metabolismo e a maximização do desempenho nas mulheres. A falta de nutrição adequada pode levar à Síndrome de Deficiência Energética Relativa no Esporte (RED-S).
Melhores práticas para evitar a RED-S incluem ingestão calórica adequada para atender às demandas de energia, metabólica e de atividade e ingestão suficiente de macronutrientes adequados. Além de alcançar disponibilidade energética ideal, pode ser vantajoso aumentar a ingestão calórica e certos macronutrientes ao longo de algumas fases do ciclo menstrual. Os dados anteriores sobre GER ao longo do ciclo sugerem variabilidade do dia a dia, com algumas mulheres experimentando um aumento de até 2,5-11,5% durante a fase lútea.
Carboidratos
Atualmente, a faixa de distribuição aceitável de macronutrientes para os carboidratos representam 45–65% das calorias totais, com recomendações adicionais de 6–10 g/kg/dia em populações ativas que buscam maximizar o desempenho. As necessidades de carboidratos são amplamente dependentes da duração e da intensidade do treinamento ou competição, com atividades mais longas e mais intensas exacerbando a demanda. Diferenças de sexo e as variações nos hormônios sexuais durante o ciclo menstrual também influenciam a utilização e o armazenamento de carboidratos, devendo, portanto, tal aspecto ser considerado.
Embora o consumo de carboidratos nas horas que antecedem uma sessão de exercícios tenha mostrado efeitos benéficos nos homens, os dados das mulheres são menos claros. A alimentação com carboidratos antes do exercício é provavelmente mais importante durante a fase folicular, quando as taxas de oxidação de carboidratos são elevadas.
Gorduras
As mulheres devem considerar a ingestão adequada de gorduras para atender ao aumento da dependência da oxidação de gordura. Do ponto de vista prático, as mulheres devem alocar pelo menos 20% do total de energia em gorduras, não apenas para atender às demandas de regulação dos hormônios sexuais e absorção de vitaminas lipossolúveis, mas também para satisfazer as necessidades de substrato específicas do sexo. Ênfase adicional deve ser colocada na ingestão de gordura na dieta durante a fase lútea do ciclo menstrual para apoiar a maior dependência do metabolismo lipídico.
Proteínas
Os hormônios sexuais femininos (estrogênio e progesterona) atingem o pico durante a fase lútea média, que corresponde a um aumento na oxidação de proteínas em descanso. Foi demonstrado que as mulheres exigem mais lisina durante a fase lútea do que na fase folicular. Provavelmente, isso se deva a uma série de razões ligadas à regulação positiva da progesterona no uso de aminoácidos. Além disso, o uso de proteínas durante o exercício parece ser maior durante a fase lútea média. O aumento do consumo de proteína é necessário na fase lútea média para atender às demandas anabólicas do corpo, especialmente durante o exercício. A fase do ciclo menstrual deve ser considerada ao avaliar as necessidades de proteínas na dieta para as mulheres. Mulheres atletas de força e resistência devem consumir no mínimo 1,6g/kg/dia de proteínas. Se hipertrofia é a meta, um desvio adicional de 60% de sua ingestão proteica habitual pode ser necessário. O espaçamento do consumo de proteínas ao longo do dia, em porções de 20-30g, para atender ao requisito é ideal, em comparação com grandes quantidades em uma só refeição.
Suplementos dietéticos
Beta-alanina: no geral, a beta-alanina pode ser eficaz para retardar fadiga e/ou otimizar a recuperação em mulheres. É importante lembrar que a beta-alanina frequentemente resulta em parestesia ou formigamento lateral; isso é inofensivo e pode ser mais prevalente em homens do que em mulheres.
Cafeína: doses entre 3 e 9mg/kg permitem efeitos ergogênicos quando consumida 60 minutos antes do exercício. Existem poucas evidências que sugiram a necessidade de uma dose diferente em mulheres.
Creatina monohidratada: o ganho de peso corporal com a suplementação de creatina é prevalente em homens; para as mulheres, o ganho de peso pode ser mais provável durante a fase lútea devido a mudanças de fluidos relacionadas aos hormônios. No entanto é provável que isso ocorra apenas na dose de carregamento (0,3g/kg de peso corporal quatro vezes ao dia, durante 5 a 7 dias).
Ômega-3: as gorduras essenciais também são necessárias para neutralizar a RED-S. A suplementação de ômega-3 pode ajudar a resolver a resposta inflamatória observada em mulheres após o exercício; níveis aumentados de ômega-3 auxiliam a reduzir os sintomas de depressão e ansiedade, especialmente em mulheres. O consumo de 1-3g de ômega-3 por dia já proporciona benefícios.
Suplementos proteicos: as mulheres podem beneficiar-se muito com a suplementação de proteínas para atender às suas necessidades diárias de proteína, especialmente na fase lútea do ciclo menstrual, que é marcada por aumento da oxidação de proteínas. Peptídeos de colágeno, quando combinados com treinamento de resistência, podem favorecer a composição corporal e aumentar a força muscular e a formação óssea (5g/dia). Deve-se reconhecer que a proteína de colágeno não é uma proteína completa. Os autores ainda ressaltam os benefícios da suplementação com whey protein, EAA e suplementos à base de proteína vegetal.